O nostálgico como ponto de fabulação da ideologia fascista II: suas contradições e o racismo – Por Leonardo Vieira Rodrigues – #temporadadetextos

Fonte: Maira Colares

O texto presente é uma continuação do texto do mês passado, a proposta de analisá-lo advém do fato da crescente reaparição de movimentos e de lideres que flertam com fascismo pelo mundo, algo que justifica a discussão sobre o tema. No texto anterior se enfatizou suas origens nas perspectivas dos filósofos Leandro Konder e Robert Paxton, e ressaltou-se o papel da idealização estética como parte da promoção da crença no mesmo. Tal ideal é viabilizado pela fabulação (é uma possibilidade de invenção de uma realidade fictícia, ou a terna recriação da realidade que se acredita como memória). Nessa segunda parte, iremos tratar brevemente do conceito de nacionalismo como negação da globalização. Além disso, falaremos de seus paradoxos ideológicos frente ao liberalismo e ao papel do Estado, a concepção negativa sobre as modificações advindas da modernidade como, por exemplo: a revolução científica e francesa, e, sobretudo sobre descriminação sobre a raça como parte do funcionamento político.

No texto anterior foi ressaltado que o fascismo é um fenômeno político típico do século XX, o que se tem antes, ou depois desse modelo, são regimes reacionários, ou  ditaduras. Leandro Konder em Introdução ao fascismo (1979); relembra que a palavra fascista é comumente usada na luta política contra ações radicais que flertam com a abolição de direitos humanos. Segundo Leandro: “Nem todo movimento reacionário é fascista” (KONDER, Leandro, 1979, pg. 9). Temos registros históricos de crueldades extremadas, com a Inquisição, as ditaduras da década de setenta de século XX, regime político do Pappa doc no Haiti. Porém, com Mussolini e Hitler tem-se um fenômeno político de extrema-direita peculiar no mundo, por fazer do anti-semitismo e perseguição as minorias, e aos comunistas, como diretriz de política de estado, e por suas contradições e apropriações de outros campos ideológicos. Uma coisa é certa, o fascismo tem aproximação com os conservadores, e teve associação conturbada, no entanto, necessária com o liberalismo para se afirmar. Outro aspecto fundamental na análise sobre o fascismo é a sua percepção para com as revoluções modernas. Vale lembrar que o ideólogo da nova direita, no caso Olavo de Carvalho afirmar que Galileu e Albert Einstein são burros. Pois, os fascistas exaltam somente a ciência medieval e antiga. Pois, acreditam que tudo que surgiu na modernidade, e no contemporâneo só degradou o processo civilizatório. O fato de negarem os processos comuns a modernidade, tem ressonâncias na defesa do nacionalismo contra uma globalização, que para eles e um fruto decadente da modernidade. O nacionalismo era uma bandeira do nazismo alemão, percebe-se que alguns líderes políticos que se aproximam do fascismo como é caso do Trump, e certo presidente da terra de pindorama,  observar-se como esses ressaltam a questão do nacionalismo, como algo a ser defendido frente à degradação do que se chama de ‘globa-lismo’. 

O aspecto moral é a questão mais ressaltada pelos defensores da nova versão do fascismo, junto à recusa dos ganhos das revoluções da modernidade. Temos com eles   a idealização de um tempo idílico construído pela fabulação, na qual se imagina um passado sem as complexidades, e as contradições da vida. Vivem a crença de que no século XXI, vivemos num atraso moral nunca visto antes. Esses acreditam piamente que a moral das pessoas não era tão baixa, quanto das pessoas do presente. Por esse motivo, a agenda ética é um tema muito explorado por candidatos com inclinações para o fascismo. Para exemplo disso, citamos o caso de Donald Trump nos Estados Unidos da América, e Le Pen na França que em suas campanhas políticas defendiam a xenofobia, e a limitação dos direitos humanos. Junto à questão moral, outra característica da presença do fascismo no século XXI, que é afirmação de vivermos numa guerra perpétua, sobretudo contra os comunistas, esgarçam o máximo que podem as leis democráticas, mas, atribuem tais atos a conspiração comunista. Além desses elementos, entende-se que racismo como ato de razão de Estado, é fator preponderante para afirmar que fascismo é de extrema-direita, pois as experiências do fascismo italiano e alemão tinham a violência contra grupos raciais, e outra minoria como parte de sua ação política. No entanto, antes analisar o racismo dentro do contexto das políticas do fascismo, antes será salientado sobre as contradições do fascismo na sua aliança com o neoliberalismo, como um apoio de inserção das políticas neofascista no Estado.  

Existem artigos científicos que mostram a relação do neoliberalismo com o fascismo, em texto de Octavio Ianni intitulado Neoliberalismo e nazi-fascismo (2019), e no artigo de Horácio Rodrigo Souza Rodrigues denominado A nova razão do mundo: neoliberalismo fascista e fundamentalista (2018) demonstram as aproximações históricas e as combinações ideológicas. Em termos de aproximações ambas surgem em datas próximas nos anos 30 do século XX, outro aspecto comum ao surgimento de ambos, está na crítica e medo de uma possível crescente do comunismo, fora o fato de  se apropriam do darwinismo como amparo teórico. No fascismo o darwinismo é fundamental para alegar a ideia de uma raça como superior sobre outras. Já no neoliberalismo o darwinismo é compreendido como parte de um realismo da ação humana, na qual se entende que no âmbito da competição os humanos dão o melhor de si, e para justificar a violência simbólica e a desigualdade no capitalismo. Compreende-se que o neoliberalismo é a renovação dos ideais do livre mercado, e o seu surgimento advém de uma crítica ao conceito de bem-estar social das democracias liberais. É histórica a relação da política com elementos fascistas com o neoliberalismo, podemos citar o exemplo do ditador Augusto Pinochet que teve em seu governo um programa econômico neoliberal.

Depois de esclarecida a relação entre fascismo e o neoliberalismo, é bom compreendermos a característica emblemática do fascismo, que é o racismo, os políticos que dançam com o fascismo, sempre no espaço publico polemizam com declarações racistas. Vale lembrar que a violência de Estado é parte de seu programa político: perseguições e ações violentas contra minorias para justificar o fracasso de seu programa político, na Alemanha eram os judeus, no Brasil são os pobres e negros. A biopolítica e o darwinismo são dois conceitos primordiais para entender o racismo de Estado, praticado ao longo século XX. O darwinismo é uma teoria muito explorada no século XIX, e no século XX, na qual foi incorporada em várias vertentes das discussões científicas, sobretudo em teorias do campo da política e da economia, como, e caso do neoliberalismo. É, apesar de presente em várias aéreas de conhecimento, sofreu com objeções entre os conservadores, por estes defenderem o criacionismo, frente à concepção de superação as dificuldades do meio natural. No entanto, mesmo com todas as controvérsias, o fascismo e o neoliberalismo absorveram parte do conceito darwinista, para se justificarem.  

Segundo o filósofo Michel Foucault o racismo tem suas origens na guerra das raças que existe desde fim do Império Romano, em que os reis feudais se consideravam com herdeiros de Priamo rei de Tróia, e de Enéias lendário guerreiro romano, ambos são considerados emblemáticas figuras originárias do império romano, já as outras pessoas  que não são nobres de sangue, seriam menores não em termos biológicos, mas, sim por não carregarem o sangue dos povos dominadores. Esse lema tenta explicar como alguns povos sentem a necessidade de subjugar as pessoas para sustentar alguma forma de poder. No escrito Em defesa da Sociedade temos a seguinte passagem:

 

                                     

Quando o tema da pureza das raças a toma o lugar do da luta das raças, eu acho que nasce o racismo, ou que esta se operando a conversão da contra-história em um racismo biológico. O racismo não e, pois, vinculado por acidente ao discurso e a  política anti-revolucionaria do Ocidente; não e simplesmente um  edifício ideológico adicional que teria aparecido em dado momento, numa espécie de grande projeto anti-revolucionário. No momento em que o discurso da luta das raças se transformou em discurso revolucionário, o racismo foi o pensamento, o projeto, o profetismo  revolucionários virados noutro sentido, a partir da mesma raiz que era o discurso da luta das raças. O racismo e, literalmente, o discurso  revolucionário, mas pelo avesso. (FOUCAULT, M. 2005, p. 95)

 

 

O racismo é a extensão de algumas ideias que já circulavam na Europa, porém, adaptada e transformada como política de Estado pelos fascistas. É válido lembrar Mussolini justificava o fascismo afirmando, que este era uma tentativa de reviver um grande império como foi Roma de Júlio César. Nesse quesito, isso ressoa as lutas de raças, suscitada na passagem citada. O que fica evidente e que o racismo faz parte de uma concepção de poder retrógrado, que tenta justificar uma defesa do conservadorismo de uma raça (no caso os brancos) perante as outras raças. O racismo faz parte de um construto difuso de uma forma de governança que diz lutar contra qualquer coisa ligada aos avanços da modernidade que tem no confuso uso do conceito de liberdade seu paradigma.

O racismo do século XX, só é possível por existir uma tecnologia de poder sustentada por uma série de teorias do campo da biologia como genética,   biotecnologia para fundamentar a biopolítica. Com uso instrumental de alguns campos de biológica para a utilização no âmbito da política, na perspectiva de Foucault com o biopoder (que é uma forma de poder sobre a vida) via biopolítica o capitalismo conseguiu progresso, pois com ela obteve-se ferramentas capazes de exerce controle sobre a população. Segundo Thomas Lemke: “Por biopolítica, uns entendem uma configuração racional e democrática das relações da vida, enquanto outros associam-na a práticas de segregação, assassinato de doentes, eugenia e racismo.”(LEMKE,T. 2018. p.12). Temos aqui na passagem citada à demonstração de como a biopolítica teve e tem o seu uso para a melhoria das relações da vida humana, pois por via dela o povo é vacinado, e tem-se o controle sobre as possíveis doenças hereditárias, como foi capaz também de mapear as melhorias de produtividade do indivíduo no capitalismo. Assim, como ela é instrumentalizada para política de eugenia em regimes fascistas. Pensando na relação entre biopolítica, racismo, e o fascismo, citamos Foucault no escrito Em defesa da sociedade (2005):

Portanto, o racismo e ligado ao funcionamento de um  Estado que e obrigado a utilizar a raça, a eliminação das raças e a purificação da raça para exercer seu poder soberano. A justaposição, ou melhor, o funcionamento, através do biopoder, do velho poder soberano do direito de morte implica o funcionamento, a introdução e a ativação do racismo. (FOUCAULT, M. 2005, p.309)

 

O que se percebe é o uso do racismo para o exercício da soberania de um Estado, que é uma ação típica do século XX, via as experiências dos fascismos. É para legitimar tal ação de eugenia faziam uso massivo da propaganda ideológica para que a população aceitar a violência de Estado. Nesse quesito, pode-se afirmar que o fascismo é de direita, extrema-direita, justamente por essa política de violência contra minorias e etnias como: negros, judeus, ciganos e outros. Compreende-se que a necropolítica é a política de Estado que exerce o poder de morte sobre a vida da população, tem um papel fundamental para que a violência de Estado seja legitimada.

 

Referência bibliográfica:

FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

LEMKE, Thomas. Biopolítica:críticas, debates e perspectivas. São Paulo: Editora Politeia, 2018. 

KONDER, Leandro. Introdução ao fascismo. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1977.

Leonardo Vieira Rodrigues

Leonardo Vieira Rodrigues

Professor de Filosofia e História. Atualmente leciona em Guarulhos-SP para estudantes do Ensino Médio e Ensino Fundamental. É também pesquisador da Filosofia em temas como estética e política. É mestre em Estudos de Linguagem pelo CEFET-MG.

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