Meninos, eu vi – por Leonardo de Magalhaens – #temporadatextos

Fonte: Pinterest

            Eu vi um homem lindo. Hoje, no ônibus. Eu voltava da facul. O cabelo longo, até os ombros, ondulado. Todo concentrado no celular, olhava mensagens ou vídeos, depois torcia as mãos, seus dedos de pianista. Era alto e magro, branco de cabelos escuros. Torcia as mãos, e achou um livro na mochila. Achei que era auto-ajuda. Não. Era ficção. De repente um romance, uma Elena Ferrante. Senhor dos Anéis não era, nem Harry Potter.

            Ele virava as folhas, focava numa página, lia e relia, depois olhava dentro do ônibus. Meio alheio. Não lia como um acadêmico, com pose intelectual. Lia como um rockstar, tipo John Lennon, tipo Nick Cave.  Lia com um ar blasé mesmo. Como se tivesse lido coisa melhor. Como se ele escrevesse melhor que o autor, ou autora, do livro. Me ajeitei no banco para tentar ler o título. Inútil. Só se eu me sentasse diante dele. Cogitei na mudança, mas não poderia admirá-lo como fazia até então.

            O livro repousava sobre a mochila, com motivos de camuflagem. O livro vez ou outra se fechava, mas ele sabia abrir exatamente na página. Deve ter marcado com o dedo. Dedos de pianista. Unhas certinhas como poucos homens têm. Estava de blusão, não dava pra ver se tinha músculos, se era forte. Homem fraco é castigo igual mulher feia. Mas não parecia cara que curtia levantar ferro. Não é das caras que gostam de se exibir. Olhava para tudo como se estivesse ali.

            O homem lindo não me via. Nem um só momento olhou na minha direção. Ignorava a existência dos passageiros. Ignorava a destruição do mundo. Ele era uma variação no dia, uma rebobinada da Grande Máquina, uma flutuação da Matrix. Seria ele o Messias? Seria ele a nova encarnação do Grande Iluminado? Não, ele era um homem lindo no ônibus rumo ao Centro, downtown, centro histórico, zona boêmia. Um homem como qualquer outro, apenas lindo. Poderia olhar para ele o dia todo. Será que ele casaria comigo?

            Seus dedos acariciavam as páginas, seus olhos atrás dos óculos…. Peraí, eu falei dos óculos? Eram escuros, mas dava para ver que as pálpebras estavam abertas, ou quando se fechavam. Ele estava cansado? Estava voltando do serviço? Ou de uma noitada com a amante? Ou com o amante? Ele estava cansado do agito do ônibus? Das buzinas? Das freadas? Ele estava cansado de ser belo?

            Sua beleza iluminava meu dia. Era difícil ver um homem bonito. Assim, alto, branco, cabelo de rockstar. Não que não goste de morenos, robustos, caras de mau, e tal. Já morri de paixão por um mulato, alto, que falava e falava, mas tinha um sorriso divino. Mas um homem belo, para mim, tem de ter algo de astro de cinema ou de rock. Tem que ter algo de Neo de Matrix ou de androide de Blade Runner. E se ele for um androide? E se for um replicante perdido na Terra? E se for um reptiliano disfarçado? Gente, nem um homem lindo está livre de ser um replicante ou reptiliano!

            Mas eu ia descer no próximo ponto e então dei uma boa e última olhada no homem lindo. Ele não me viu, eu, assim tão invisível. É o problema da Beleza: só vê a si mesma.


Leonardo de Magalhães

Leonardo de Magalhaens

Poeta, escritor, crítico literário, revisor , tradutor, Bacharel em Letras Fale/UFMG
[email protected]

 


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