Nelson Rodrigues não envelheceu uma ruga, mas seria impublicável hoje

[ad_1]

Nunca invejei tanto um autor como Nelson Rodrigues. Agora, nos 40 anos da morte, posso confessar.

Conheci a prosa de Nelson por via paterna e corri para a máquina de escrever. Meus textos eram polvilhados por confissões violentas, frases que se corrigiam a si próprias (“não, não era isso que eu queria escrever” etc.) e algumas imagens que eram plágios descarados (sol derretendo catedrais; tempestades de quinto ato do “Rigoletto”).

O mimetismo era tão intenso, e tão patético, que até relatava as minhas relações com uma úlcera imaginária, que eu tratava a pires de leite.

Assim era a adolescência. Só na idade adulta percebemos como Nelson é inimitável. No estilo, sim, mas sobretudo nas obsessões. Se Deus vomita os mornos, Nelson Rodrigues era o antimorno por excelência -o mais russo dos brasileiros, o mais brasileiro dos russos.

Nos últimos dias, só para celebrar a efeméride, regressei aos livros dele. Duas conclusões fulminantes: Nelson não envelheceu uma ruga; Nelson seria impublicável na imprensa de hoje. A primeira conclusão está diretamente relacionada com a segunda.

Nelson não envelheceu nos textos que importam: aqueles que lidam com a covardia da nossa modernidade. E de onde vem essa covardia?

Da emergência implacável do idiota, que o autor relata em tom épico, digno de uma ópera. O idiota, antigamente, sabia que era idiota e não pretendia ser gênio. Havia ali uma humildade prudente.

Mas eis que um deles, igual a um macaco de Kubrick, resolveu subir a um caixote para falar as suas imbecilidades. Como um flautista encantado, ele convocou os restantes idiotas para que saíssem da sombra e se reunissem à luz do dia.

Foi então que aconteceu a segunda epifania: os idiotas descobriram que eram milhares, milhões. A maioria. O mundo poderia ser moldado segundo as suas vontades e opiniões.

Isso, que já é dramático, se tornou trágico com a covardia dos melhores. “O medo começa nos lares, e dos lares passa para a igreja, e da igreja passa para as universidades, e destas para as redações, e daí para o romance, para o teatro, para o cinema”, escreve o autor no espantoso texto “O Ex-covarde”. E em que consiste a ética do idiota?
Leia mais (12/21/2020 – 12h00)

Fonte do link

[uam_ad id="6960"]