Buscas pelas ‘joias’ de Brumadinho devem seguir por até três anos

Era 25 de janeiro de 2019. Em uma das principais minas da Vale no estado, a do Córrego do Feijão, em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, a barragem B1 entra em colapso e cerca de 12 milhões de metros cúbicos vazam em poucos segundos da estrutura. No caminho, a lama com velocidade de mais de 100 km/h atinge todo o complexo administrativo e operacional, além de uma pousada e partes de comunidades da cidade. Com centenas de pessoas desaparecidas, começava a maior operação de buscas do Corpo de Bombeiros na história do país.

Nas primeiras 72 horas após o rompimento, o foco era localizar quem ainda estivesse vivo em meio aos rejeitos. Da tranquilidade da região com sons de pássaros e do vento, o céu era tomado por helicópteros que voavam incansavelmente na área afetada com apoio de bombeiros de pelo menos 15 estados do país. Em cada ponto de informação, o desespero das famílias em busca de notícias. A cada nova lista atualizada, a esperança em localizar o ente querido. Mas a força dos rejeitos foi tão grande – há locais com mais de 15 metros de profundidade – que 270 pessoas não resistiram. 

E após 1.000 dias de operação dos bombeiros, completados nesta quinta-feira (21), oito joias ainda não foram localizadas em meio ao mar de lama. “Esse período representa toda uma trajetória devidamente planejada a cada momento para que as buscas e todos os encontros sejam realizados. É um marco temporal importante e que permite dizer que essa é a maior operação da história”, pontuou o chefe de Estado-Maior, coronel Erlon Dias do Nascimento Botelho, durante balanço apresentado pela corporação. Os militares voltaram a ressaltar que a ação só será finalizada quando todos forem encontrados.

Dividida em oito fases, as buscas vão ganhar ainda mais agilidade com o emprego de uma nova tecnologia, que promete reduzir o tempo previsto dos trabalhos para até três anos – sem a ferramenta, o período poderia ultrapassar cinco anos. Conforme o major Ivan Neto, que atualmente comanda a operação, até o momento já foram revirados mais de quatro milhões de metros cúbicos de rejeito, o que corresponde a metade do material que ficou disposto na zona quente, área entre o rompimento e o encontro do córrego Ferro-Carvão com o rio Paraopeba. 

“Mais da metade do material (ainda não foi revirado) e caminhamos para três anos (de operação). Tudo isso em busca das oito joias, que nos motiva hoje e traz esperança para as famílias em localizar essas vítimas não encontradas. Vamos iniciar um novo ciclo”, resumiu. No início deste mês, a Polícia Civil chegou a identificar a técnica de enfermagem da Vale Angelita Cristiane Freitas de Assis, que trabalhava no momento do desastre. O material que permitiu extrair o DNA foi encontrado pelos bombeiros em agosto.

Diferentes estratégias

Ao longo de um ano e oito meses, a operação de buscas teve diferentes fases, como explicou o coronel Erlon Dias do Nascimento Botelho. Após os três primeiros dias, quando as chances de encontrar alguma vítima com vida se tornam praticamente nulas, foi montada uma segunda etapa dos trabalhos. “Como o rejeito ainda estava liquefeito, havia facilidade de localização de segmentos e corpos. Então, as buscas eram superficiais, principalmente com o apoio de aeronaves que ajudavam no resgate e levavam para a base operacional (na igreja de Córrego do Feijão). Também começamos a receber recursos de outros estados, que cederam equipamentos e bombeiros para integrar a operação”, enfatizou.

O número de novas localizações começou a reduzir e, com isso, era hora de elaborar uma nova estratégia. Com o apoio de maquinário pesado, como retroescavadeiras e máquinas anfíbias, os bombeiros definiram pontos mais específicos para realizar as buscas. E os cães farejadores foram os principais parceiros dos militares naquele momento: mais de 80% do que era encontrado aconteceu graças a esses animais. “Foram 68 cães de todo o país e 1.800 bombeiros, com mais de 100 máquinas para fazer os encontros. Essa fase foi efetiva até em pontos que precisavam serem escavados”, pontuou Botelho.

Os cães seguiram na zona quente de buscas, mas foi necessário realizar um trabalho mais minucioso através da inteligência operacional. Para potencializar a ação, os bombeiros passaram a buscar todas as informações disponíveis das vítimas, como a última localização dada por celulares ou rádio comunicadores, para montar mapas que eram sobrepostos. “Foi criado o primeiro mapa multicritério, para que pudéssemos priorizar áreas mais importantes para as buscas”, acrescentou o coronel. Além disso, as escavações chegavam até a profundidade do terreno original para melhorar os resultados. 

Já era início de 2020 quando a operação entrou em sua quinta fase. E diante de mais de 92% das novas localizações ocorrerem até três metros abaixo dos rejeitos, os bombeiros lançam uma nova estratégia: focalizar nessas áreas. Também passou a ser mais empregado o uso dos chamados canos de odor pelos militares durante as buscas, já que o trabalho dos cães não era mais efetivo por conta do tempo de operação. Porém, veio a pandemia do coronavírus a partir de março e a corporação precisou interromper a ação por cinco meses.

Diante da paralisação, foi preciso rever todo o planejamento durante a retomada. Na sexta fase, foi criado um novo protocolo de trabalho, também pensando em evitar a transmissão da Covid-19, e todo rejeito retirado passava por um controle volumétrico. Em seguida, veio a sétima fase, considerada a maior, com a drenagem de todo o terreno, cercado por cursos d’água, para possibilitar as buscas em locais ainda não trabalhados. “O rejeito criou vários remansos e houve a redistribuição do efetivo nessas áreas pontuais”, disse o chefe de Estado-Maior.

Apoio da tecnologia

Conforme adiantado pela edição do jornal O Tempo da última terça-feira (19), a corporação já iniciou a oitava etapa da megaoperação. Através de máquinas importadas da Finlândia, os rejeitos passaram a ser separados em dois tipos: um fino e o outro pesado, que tem espessura maior e materiais como rocha, madeira, entulho e os segmentos corpóreos – essa parte representa 10% do volume total na zona quente. Em seguida, o material mais grosso passa por uma peneira e os bombeiros conseguem identificar visualmente cada detalhe. No primeiro teste, que durou quatro horas, foram 250 toneladas de rejeitos que continham 20 objetos.

“Os bombeiros não sabiam quantos eram. Utilizamos materiais como ossos de animais, colete, capacete, qualquer coisa que levasse à identificação de uma vítima, e tivemos 100% de êxito. Dali, começou a implantação”, contou o major Ivan Neto. Ao todo, serão cinco estações de buscas até janeiro, com os bombeiros em cabines climatizadas que vão garantir ainda mais segurança – uma já está em operação e a outra começa no próximo mês. “Cada bombeiro consegue vistoriar 25 metros cúbicos por hora. Usando a máquina, passa para 120, é um aumento de 380% que vai minimizar o tempo da operação”, garantiu.

Mais de 4.100 bombeiros já participaram da operação

Desde o início de 2019, mais de 4.100 bombeiros já participaram da operação de buscas em Brumadinho. Para garantir a segurança dos militares, foi elaborado um protocolo rígido com infectologistas desde o início, com revisões periódicas. “Com isso, podemos afirmar que tivemos nenhum problema grave de saúde envolvendo um bombeiro. São feitos exames antes e depois dos turnos para identificar metais pesados, por exemplo. Em campo, um militar pode ficar sete dias, com três jornadas. A partir desse momento, ele será aposentado da operação e não volta mais para campo”, finalizou o coronel Erlon Dias do Nascimento Botelho.

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