Barriga solidária: a técnica de reprodução que depende da ciência e do altruísmo

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Foram dez anos de tentativas, com apelos à ciência e à fé, até o nascimento de Dante, em 18 de fevereiro deste ano, pelo ventre da irmã de sua mãe. “Me casei em 2010 e decidi engravidar em 2011. Depois de um ano sem conseguir a fecundação, meu marido, Daniel Flávio Ferreira, descobriu que tinha um distúrbio de infertilidade, que devia ser corrigido pela técnica de fertilização em vitro. Naquele mesmo ano, tentamos a gravidez por meio de quatro embriões. Primeiro, foram transferidos dois para o meu útero. Depois os outros dois. Mas não tivemos sucesso”, narra Solana Guimarães, hoje com 39 anos. Em 2013, a servidora pública finalmente conseguiu engravidar. Contudo, aquela seria também a sua primeira experiência de perda gestacional. “Cheguei a ouvir o coraçãozinho do bebê, mas, na nona semana, tive um sangramento e descobri ter tido um aborto espontâneo”, detalha. Essa mesma situação ainda se repetiria por nove vezes, até que, em 2019, o casal decidiu aceitar a oferta de Anaterra Guimarães, 38, irmã de Solana.

“Há muito tempo, ela já havia se oferecido para gerar o nosso filho, para ser ‘barriga solidária’. Mas a gente não se sentia confortável com essa situação, não queríamos dar esse trabalho para ela, porque sabemos que a gestação muda a rotina da mulher. E ela é casada, tem uma filha. Relutamos muito até aceitar”, garante Solana, complementando que, depois do último tratamento, também frustrado, ela e o marido decidiram que era hora de dizer “sim” à proposta de sua irmã caçula. “Tive três embriões. Ela transferiu dois, mas não engravidou, ficando um remanescente, congelado. Tentamos de novo, e, em junho do ano passado, o teste deu positivo. Ela estava grávida do meu filho”, recorda-se a entusiasmada mãe.

Tecnicamente, a barriga solidária é um método de reprodução assistida em que uma pessoa que possui útero cede altruisticamente o órgão para a gestação do filho de outra pessoa, que, por sua vez, tem alguma alteração significativa que a impede de gestação de uma criança. “Nesse caso, o óvulo é fecundado em laboratório usando-se o material genético daquelas que, por razões médicas, não podem engravidar. Posteriormente, o embrião é implantado no útero de quem optou por ceder o órgão”, informa a ginecologista-obstetra Cláudia Navarro, diretora clínica da Life Search e especialista em reprodução assistida.

No caso de Solana, embora não houvesse um diagnóstico preciso, sabia-se que uma alteração no útero impedia que as gestações tentadas ao longo da última década fossem bem-sucedidas. “Felizmente, pude contar com essa alternativa”, comemora ela, que se lembra com precisão do dia do nascimento de Dante. Na maternidade, ela acompanhou o parto ao lado da irmã, enquanto, do lado de fora, marido e cunhado aguardavam o acontecimento. “Foi uma grande festa, um momento único em nossas vidas”, entusiasma-se ela, que fez um tratamento para garantir que pudesse amamentar o seu filho.

Ao falar do bebê, que completa seu segundo mês de vida no próximo domingo, a servidora não tem vergonha de parecer uma mãe pra lá de coruja. “Estou profundamente realizada. Ele é bonzinho demais, sabe? E todo mundo fica encantado, mesmo conhecendo o Dante apenas a distância, por foto e por vídeo”, diz, explicando que, com a pandemia, a família tem evitado visitas. “Apesar disso, sentimos que há uma grande expectativa de parentes e amigos em conhecê-lo. Ele já nasceu uma estrela”, orgulha-se, emendando que, em um gesto de gratidão, Anaterra foi convidada a ser madrinha da criança, que será batizada conforme a tradição católica.

Solidariedade costuma vir de perto

A especialista em reprodução assistida Cláudia Navarro lembra que a decisão de ter um filho pelo método de barriga solidária nunca é a primeira escolha de um casal. Ela também observa que o gesto altruísta costuma vir de pessoas próximas do casal. “São elas que convivem com o sofrimento do casal e que vão, na maioria das vezes, se oferecer para o tratamento”, sinaliza, avaliando que, quanto maior a proximidade, maior a chance de oferta de ajuda e que, normalmente, o pedido não parte do casal.

Quanto ao tempo até a aprovação do procedimento, Cláudia garante que, na maioria das vezes, trata-se de um processo rápido. “A aprovação é discutida em plenária do CRM. Mas, com a pandemia, isso tem sido prejudicado, porque as sessões estão muito focadas em problemas relacionados à Covid-19”, sinaliza. A ginecologista-obstetra reconhece em si dois sentimentos muito presentes sempre que participa de uma história assim: “De um lado, há a realização de ter ajudado um casal e concretizar o seu desejo; de outro, há a admiração pelo altruísmo da mulher que cedeu o útero”, diz.

Regras. No Brasil, embora não exista uma legislação sobre o tema, a técnica é regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), sendo uma opção para as pessoas que não têm condições médicas para a gestação e para os casais homoafetivos com fertilização in vitro. A atualização mais recente da norma é a de número 2.168, do ano de 2017.

Como explica o advogado de família Cristiano Volpe, a publicação determina que a paciente que fará a cessão uterina deve ter parentesco consanguíneo de até quarto grau com o pai ou mãe da criança. Ou seja, “a candidata a ser barriga solidária deve ser mãe, filha, avó, irmã, tia, sobrinha ou prima de uma das partes”, resume. “Na ausência de familiares, a realização do procedimento utilizando o útero de outra pessoa deve ser autorizada pelo Conselho Regional de Medicina (CRM), após a análise do caso”, complementa a médica Cláudia Navarro.

Essa não é a única restrição: o CFM também veta a possibilidade de ganhos financeiros a partir da iniciativa. Por isso, no país, é equivocado o uso da expressão “barriga de aluguel”. “Existe a determinação expressa de que o procedimento não deve envolver transação comercial ou lucrativa entre as partes”, detalha o advogado. Portanto, para além do aspecto científico, o gesto depende do exercício do altruísmo, um valor humano que é fartamente valorizado na família Guimarães.

Cabe detalhar que os direitos dos pais são resguardados por meio de acordos intralegais, de forma que a pessoa que cede o útero para a implantação do material genético não possui quaisquer direitos sobre o embrião, o nascituro e/ou o bebê.

Curiosidade. A primeira versão da resolução do CFM sobre procedimento de cessão temporária de útero foi publicada em 1992, um ano após o fim da novela “Barriga de Aluguel”, da Rede Globo.

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